Novas pesquisas revelam que podemos reprogramar nosso cérebro para não cair em tentação.
É o rehab alimentar
Você pensou uma, duas, 3 vezes, mas não resistiu: usou a tal substância. Ela logo desencadeou em sua cabeça um processo viciante: ao tocar sua língua, fez liberar em seu cérebro opioides — químicos responsáveis por uma sensação de recompensa e prazer, também acionados por drogas como heroína e morfina.
Inconscientemente, você move sua língua e mandíbula. Se fosse uma criança, abriria um sorriso. A resposta imediata do seu corpo: quero mais!
Esse barato não foi provocado por uma nova droga da moda. É uma velha conhecida que, consumida com moderação, é essencial à nossa sobrevivência: comida.
Mais especificamente aquela com grandes quantidades de gordura, sal e açúcar, ingredientes que, a ciência revela, nos fazem pedir cada vez mais, mais e mais. “São as chamadas comidas palatáveis, não só porque são saborosas e dão prazer, mas porque estimulam nosso apetite e nos fazem comer sem parar”, diz o autor do livro The End of Overeating (O Fim da Comilança, sem edição no Brasil) David Kessler, ex-integrante do FDA, órgão que regulamenta alimentos e remédios nos Estados Unidos. Esses ingredientes mexem em mecanismos cerebrais que costumam ser atingidos também por drogas pesadas, como a heroína e, a mais recente descoberta, maconha.
Basta sentirmos um cheirinho de batata frita ou dar a primeira mordida em um bolo de chocolate para disparar o ciclo vicioso. “Comer alimentos ricos em açúcar, gordura e sal só nos faz comer mais alimentos ricos em açúcar, gordura e sal”, diz e repete Kessler. Para entender esse desejo sem fim, a ciência da gordura — que já analisou nosso metabolismo e reações fisiológicas — agora muda de foco. “As pesquisas sempre buscaram o que acontece em nosso corpo enquanto comemos.
Mas, a verdadeira pergunta é: o que acontece em nosso cérebro?”, diz Kessler. Entender isso é essencial para que possamos reprogramar nossa mente. E dar início a uma reabilitação alimentar — a única saída para se pensar como um magro.
GORDURA DÁ LARICA
Em junho, cientistas da Universidade da Califórnia e do Instituto de Tecnologia da Itália publicaram um estudo revelando que a ingestão de alimentos gordurosos libera no intestino endocanabinoides. Qualquer semelhança do termo com a Cannabis sativa, a planta da maconha, não é coincidência. Esses químicos são parecidos com aqueles encontrados em um cigarro feito com ela e que costuma causar um apetite voraz — a famosa larica pós-baseado.
No experimento, ratos alimentados com gordura não conseguiam parar de comer. Já os que ingeriram só proteína ou carboidrato se deram por satisfeitos mais rapidamente. “Provavelmente, os endocanabinoides reduzem a mensagem de saciedade que se origina no intestino e é enviada ao cérebro”, afirma Nicholas DiPatrizio, professor do Departamento de Farmacologia da Universidade da Califórnia.
Não é só gordura que tem essa capacidade de nos fazer continuar comendo mesmo quando já estamos supostamente satisfeitos. “Toda comida prazerosa pode neutralizar os sinais de saciedade”, diz o neurocientista David Linden, autor do livro A Origem do Prazer (lançado no Brasil em agosto pela Editora Elsevier). Aí também entram os pratos ricos em açúcar e sal, que liberam em nosso cérebro mais dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de felicidade e bem-estar, do que os demais tipos de alimentos. Um truque da natureza para que os homens das cavernas sobrevivessem.
Na dieta dos nossos antepassados, alimentos com sal, gordura ou açúcar eram raros — as refeições não tinham mais que 10% de lipídios, as gorduras que vinham da carne. Nosso vício em sal não é totalmente explicado pela ciência. Mas os pesquisadores desconfiam que seja uma estratégia evolutiva para compensar o sódio perdido no suor. Já a gordura e o açúcar são reservas naturais de energia: fomos programados para abocanhá-los sempre que os encontramos pela frente.
“Mas sabemos que se você comer açúcar, gordura e carboidratos refinados [que se transformam rapidamente em açúcar na digestão] repetidamente, isso irá alterar seus circuitos de prazer”, afirma Linden. Com o tempo, as células cerebrais não irão responder de forma tão intensa ao estímulo provocado por esses ingredientes. Como acontece com a heroína, o efeito enfraquece com o passar do tempo. E aí você precisa de mais quantidade da substância para sentir o mesmo barato.
VÍCIO EM COMIDA
O deleite com os alimentos funciona em duas fases. Primeiro vêm as preliminares: sentir um cheiro gostoso, passar na porta do restaurante onde se experimentou um jantar dos deuses ou assistir a uma propaganda de biscoitos recheados na TV. “É daí que vem o verdadeiro poder da comida: da antecipação do prazer”, afirma Kessler. Esses estímulos já são suficientes para fazer nosso cérebro liberar dopamina. A substância — também responsável pelos impulsos de fuga — cria o desejo e nos faz correr atrás do que for necessário para comer aquele prato tentador.
Quando você, de fato, abocanha a gostosura, mais dopamina é liberada. E também opioides. Essas substâncias farão não apenas com que você sinta prazer, mas aumentarão seu desejo e irão motivá-lo a buscar mais comida. Para evitar que esse ciclo tenha início, é necessário parar no comecinho. Mude o caminho de casa para o trabalho para não passar na frente do tal restaurante e evite chegar muito próximo da banca de pastel para não ser seduzido pelo cheirinho de fritura. O prazer proporcionado apenas pela ideia de que você está prestes a se esbaldar com uma delícia dessas já pode fazer você perder o controle.
A prova veio de um estudo divulgado em abril, em que pesquisadores da Universidade de Yale, EUA, reuniram 48 mulheres, entre magras e acima do peso, para testar o quanto ficavam tentadas ao ver um milkshake de chocolate. Após 4 a 6 horas em jejum, as voluntárias olhavam para uma foto da bebida. Somente depois podiam saboreá-la de fato. Nos dois momentos, seus cérebros foram escaneados. Em algumas mulheres, os cientistas observaram um padrão de atividade de neurônios comum também no vício em drogas: a simples sugestão da comida ativava mais o sistema de prazer e recompensa do que ingeri-la propriamente.
Essas mulheres tinham uma fissura por comidas calóricas maior do que a normal (já que liberavam mais dopamina nas preliminares) e uma satisfação inferior à média ao abocanhar as gostosuras (quando os químicos de bem-estar vinham menos do que o esperado). Resultado: elas comiam mais como forma de compensação.
O curioso é que esse padrão não foi visto apenas em mulheres obesas, mas também nas magras. “Estar dentro do peso não quer dizer que você não seja viciado em comida”, diz Ashley Gearhardt, pesquisadora do Centro Rudd para Política Alimentar e Obesidade da Universidade de Yale. Algumas pessoas compensam a comilança com dias sem colocar quase nada na boca ou com muito exercício físico, mas correm o risco de ganhar peso mais adiante.
Fonte: Galileu
É o rehab alimentar
Você pensou uma, duas, 3 vezes, mas não resistiu: usou a tal substância. Ela logo desencadeou em sua cabeça um processo viciante: ao tocar sua língua, fez liberar em seu cérebro opioides — químicos responsáveis por uma sensação de recompensa e prazer, também acionados por drogas como heroína e morfina.
Inconscientemente, você move sua língua e mandíbula. Se fosse uma criança, abriria um sorriso. A resposta imediata do seu corpo: quero mais!
Esse barato não foi provocado por uma nova droga da moda. É uma velha conhecida que, consumida com moderação, é essencial à nossa sobrevivência: comida.
Mais especificamente aquela com grandes quantidades de gordura, sal e açúcar, ingredientes que, a ciência revela, nos fazem pedir cada vez mais, mais e mais. “São as chamadas comidas palatáveis, não só porque são saborosas e dão prazer, mas porque estimulam nosso apetite e nos fazem comer sem parar”, diz o autor do livro The End of Overeating (O Fim da Comilança, sem edição no Brasil) David Kessler, ex-integrante do FDA, órgão que regulamenta alimentos e remédios nos Estados Unidos. Esses ingredientes mexem em mecanismos cerebrais que costumam ser atingidos também por drogas pesadas, como a heroína e, a mais recente descoberta, maconha.
Basta sentirmos um cheirinho de batata frita ou dar a primeira mordida em um bolo de chocolate para disparar o ciclo vicioso. “Comer alimentos ricos em açúcar, gordura e sal só nos faz comer mais alimentos ricos em açúcar, gordura e sal”, diz e repete Kessler. Para entender esse desejo sem fim, a ciência da gordura — que já analisou nosso metabolismo e reações fisiológicas — agora muda de foco. “As pesquisas sempre buscaram o que acontece em nosso corpo enquanto comemos.
Mas, a verdadeira pergunta é: o que acontece em nosso cérebro?”, diz Kessler. Entender isso é essencial para que possamos reprogramar nossa mente. E dar início a uma reabilitação alimentar — a única saída para se pensar como um magro.
GORDURA DÁ LARICA
Em junho, cientistas da Universidade da Califórnia e do Instituto de Tecnologia da Itália publicaram um estudo revelando que a ingestão de alimentos gordurosos libera no intestino endocanabinoides. Qualquer semelhança do termo com a Cannabis sativa, a planta da maconha, não é coincidência. Esses químicos são parecidos com aqueles encontrados em um cigarro feito com ela e que costuma causar um apetite voraz — a famosa larica pós-baseado.
No experimento, ratos alimentados com gordura não conseguiam parar de comer. Já os que ingeriram só proteína ou carboidrato se deram por satisfeitos mais rapidamente. “Provavelmente, os endocanabinoides reduzem a mensagem de saciedade que se origina no intestino e é enviada ao cérebro”, afirma Nicholas DiPatrizio, professor do Departamento de Farmacologia da Universidade da Califórnia.
Não é só gordura que tem essa capacidade de nos fazer continuar comendo mesmo quando já estamos supostamente satisfeitos. “Toda comida prazerosa pode neutralizar os sinais de saciedade”, diz o neurocientista David Linden, autor do livro A Origem do Prazer (lançado no Brasil em agosto pela Editora Elsevier). Aí também entram os pratos ricos em açúcar e sal, que liberam em nosso cérebro mais dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de felicidade e bem-estar, do que os demais tipos de alimentos. Um truque da natureza para que os homens das cavernas sobrevivessem.
Na dieta dos nossos antepassados, alimentos com sal, gordura ou açúcar eram raros — as refeições não tinham mais que 10% de lipídios, as gorduras que vinham da carne. Nosso vício em sal não é totalmente explicado pela ciência. Mas os pesquisadores desconfiam que seja uma estratégia evolutiva para compensar o sódio perdido no suor. Já a gordura e o açúcar são reservas naturais de energia: fomos programados para abocanhá-los sempre que os encontramos pela frente.
“Mas sabemos que se você comer açúcar, gordura e carboidratos refinados [que se transformam rapidamente em açúcar na digestão] repetidamente, isso irá alterar seus circuitos de prazer”, afirma Linden. Com o tempo, as células cerebrais não irão responder de forma tão intensa ao estímulo provocado por esses ingredientes. Como acontece com a heroína, o efeito enfraquece com o passar do tempo. E aí você precisa de mais quantidade da substância para sentir o mesmo barato.
VÍCIO EM COMIDA
O deleite com os alimentos funciona em duas fases. Primeiro vêm as preliminares: sentir um cheiro gostoso, passar na porta do restaurante onde se experimentou um jantar dos deuses ou assistir a uma propaganda de biscoitos recheados na TV. “É daí que vem o verdadeiro poder da comida: da antecipação do prazer”, afirma Kessler. Esses estímulos já são suficientes para fazer nosso cérebro liberar dopamina. A substância — também responsável pelos impulsos de fuga — cria o desejo e nos faz correr atrás do que for necessário para comer aquele prato tentador.
Quando você, de fato, abocanha a gostosura, mais dopamina é liberada. E também opioides. Essas substâncias farão não apenas com que você sinta prazer, mas aumentarão seu desejo e irão motivá-lo a buscar mais comida. Para evitar que esse ciclo tenha início, é necessário parar no comecinho. Mude o caminho de casa para o trabalho para não passar na frente do tal restaurante e evite chegar muito próximo da banca de pastel para não ser seduzido pelo cheirinho de fritura. O prazer proporcionado apenas pela ideia de que você está prestes a se esbaldar com uma delícia dessas já pode fazer você perder o controle.
A prova veio de um estudo divulgado em abril, em que pesquisadores da Universidade de Yale, EUA, reuniram 48 mulheres, entre magras e acima do peso, para testar o quanto ficavam tentadas ao ver um milkshake de chocolate. Após 4 a 6 horas em jejum, as voluntárias olhavam para uma foto da bebida. Somente depois podiam saboreá-la de fato. Nos dois momentos, seus cérebros foram escaneados. Em algumas mulheres, os cientistas observaram um padrão de atividade de neurônios comum também no vício em drogas: a simples sugestão da comida ativava mais o sistema de prazer e recompensa do que ingeri-la propriamente.
Essas mulheres tinham uma fissura por comidas calóricas maior do que a normal (já que liberavam mais dopamina nas preliminares) e uma satisfação inferior à média ao abocanhar as gostosuras (quando os químicos de bem-estar vinham menos do que o esperado). Resultado: elas comiam mais como forma de compensação.
O curioso é que esse padrão não foi visto apenas em mulheres obesas, mas também nas magras. “Estar dentro do peso não quer dizer que você não seja viciado em comida”, diz Ashley Gearhardt, pesquisadora do Centro Rudd para Política Alimentar e Obesidade da Universidade de Yale. Algumas pessoas compensam a comilança com dias sem colocar quase nada na boca ou com muito exercício físico, mas correm o risco de ganhar peso mais adiante.
Fonte: Galileu
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